Savonarola

Girolamo Savonarola (1452-1498)
Sua alma se entristecia com a maldade, com o luxo e desperdício de uns em contraste com a extrema pobreza da maioria.

Desde garoto, Savonarola era uma pessoa marcada por Deus. Era muito contemplativo e passava horas em oração. A Itália do seu tempo era dominada por pequenos tiranos e sacerdotes corruptos, e pelas lutas políticas entre duques e papas. Sua alma se entristecia com a maldade, com o luxo e desperdício de uns em contraste com a extrema pobreza da maioria. Emoções fortes já ferviam no seu interior. A oração era seu único consolo. 

Um dia, ele viu uma visão do céu aberto, e todas as futuras calamidades da igreja passaram diante de seus olhos. A voz de Deus depois o encarregou de advertir o povo. Daquele momento em diante, sentiu profunda convicção de seu chamado profético. 

Embora tivesse fortes feições físicas, Savonarola não tinha boa aparência e era desajeitado em postura e gestos. Quando começou a pregar em Florença, inicialmente não teve muito impacto. Nesta cidade capital da Renascença, ele se opunha com grande energia à vida pagã e imoral prevalecente na sociedade e, especialmente, na corte de Lorenzo de Médici. Seu método e modo de falar eram repulsivos aos florentinos, mas isto não o deteve. De 1485 a 1489, pregou em várias outras cidades da Itália, onde começou a expor o livro do Apocalipse e a se empolgar cada vez mais com a mensagem do iminente juízo de Deus. Em essência, ele anunciava três simples proposições: a igreja será disciplinada; a igreja será renovada; isto acontecerá em breve. 

Com esta palavra e suas exposições do livro do Apocalipse, aplicadas para sua própria época, o povo começou a afluir para ouvi-lo. Suas pregações não foram caracterizadas por defesas doutrinárias ou teológicas, mas por chamados claros e apaixonados ao arrependimento e a mudanças morais na sociedade. 

Sua voz, antes hesitante e falha, agora era como trovão, e suas advertências contra o pecado eram tão aterradoras que seus ouvintes freqüentemente andavam pelas ruas atordoados, desnorteados e sem palavras. Durante os sermões, freqüentemente a catedral inteira ressoava com sons de soluços e choro. Operários, poetas e filósofos, todos caíam em prantos; ficavam pálidos, estremeciam, seus olhos ficavam envidraçados de terror, lágrimas jorravam; batiam no peito e clamavam a Deus por misericórdia. 

Em pelo menos uma ocasião, o rosto de Savonarola brilhou a ponto de todos o notarem. Apesar de todas as tentativas do corrupto regente da cidade de impedi-lo de pregar contra o pecado, ele continuava. O povo levantava, às vezes, à meia noite e esperava na rua até a hora de abrir a catedral para ouvi-lo pregar. 

Houve vários efeitos destas pregações. O maior deles foi a mudança de comportamento na cidade de Florença. Livros de feitiçaria e magia negra, vaidades e objetos obscenos ou impuros eram recolhidos e queimados em enormes fogueiras em praça pública. Comerciantes devolviam ganhos desonestos; os pobres eram amparados, todos oravam e buscavam a Deus. Jovens e crianças marchavam nas ruas e visitavam as pessoas de casa em casa, implorando que todas abandonassem o pecado, e coletando recursos para ajudar os pobres. 

Vários acontecimentos específicos foram profetizados por Savonarola. Sua mensagem de juízo vindouro incluiu a previsão da morte do papa Inocêncio VIII, a morte do rei de Nápoles, a vinda de um poder estrangeiro com grande exército como castigo de Deus e o colapso do governo da família Médici em Florença. Todos aconteceram com precisão surpreendente. Além disso, ele não poupava palavras de advertência e censura direta às classes sociais mais elevadas, aos governantes e ao clero da Igreja Católica, incluindo o papa. 

Entretanto, incorreu em alguns erros próprios do ministério profético. Foi além da sua unção de advertir o povo contra o pecado, e tentou implantar uma teocracia em Florença. Achou que seria possível trazer santidade e o reino de Deus através de estabelecer leis justas e derrubar governantes injustos. Inicialmente, contou com grande apoio da população de Florença e parecia que as circunstâncias e acontecimentos o estavam ajudando. Quando o rei da França invadiu a Itália e a família Médici fugiu de Florença, o caminho ficou aberto para o novo regime cristão. Savonarola introduziu uma nova constituição e ajudou a organizar um conselho para governar a cidade de acordo com princípios bíblicos. 

Como sempre acontece com tais tentativas de implantar o reino de Deus através de leis, de governantes justos e de policiamento para punir os infratores, depois de pouco tempo o experimento fracassou. Quando Savonarola foi excomungado pelo papa e o cerco contra ele estava ameaçando a vida econômica da cidade, a maioria do povo, que antes o apoiava apaixonadamente, de repente virou-se contra ele. 

Conclui-se, portanto, que conformidade com padrões morais através de sistemas de governo ou leis justas não resulta em conversão ou mudança permanente de vida. Mais do que isto, elevados efeitos emotivos causados pela pregação, ainda que divinamente inspirada, se não forem canalizados e edificados dentro de princípios sólidos das Escrituras, podem dissipar-se e perder-se totalmente. Mesmo com Jesus, as multidões maravilhadas, que proclamaram louvores durante sua entrada triunfal em Jerusalém, poucos dias depois ajudaram a pedir sua crucificação. 

Apesar deste desvio do verdadeiro alvo da pregação, Savonarola se manteve isento de ambições e da mistura com o sistema corrupto até o fim. Resistiu a todas as tentativas da família Médici de suborná-lo para não continuar expondo seus erros. Tampouco aceitou quando o papa lhe ofereceu uma posição de cardeal, a fim de induzi-lo a não combater as imoralidades e irregularidades do sistema eclesiástico. Não usou da sua popularidade para tornar-se governante da cidade, nem fez parte do conselho organizado para este fim. Porém, como um verdadeiro João Batista, Savonarola continuou na sua posição e denunciou os pecados, sem se intimidar até o fim. Mesmo depois de ser excomungado, continuou pregando. Acabou sendo preso pelas autoridades papais, condenado num julgamento forjado, torturado e morto por enforcamento, junto com outros dois companheiros. Seus corpos foram queimados. 

A seguir, um pequeno trecho de uma de suas pregações: 

"Nestes dias, prelados e pregadores estão acorrentados à terra pelo amor às coisas terrenas. O cuidado pelas almas não é mais sua preocupação. Estão contentes com sua renda financeira. Os pregadores pregam para agradar os príncipes e serem louvados por eles. Fizeram pior que isso. Não só destruíram a igreja de Deus, mas construíram uma nova igreja segundo seu próprio padrão. Vá a Roma e veja! Nas mansões dos grandes prelados, não há interesse senão por poesia e oratória. Vá até lá e veja! Verá todos com seus livros de ciências humanas, dizendo uns aos outros que podem guiar as almas dos homens por meio de Virgílio, Horácio e Cícero... Os prelados antigos tinham muito menos mitras e cálices de ouro, e os que possuíam eram quebrados e repartidos para aliviar as necessidades dos pobres. Mas nossos prelados, a fim de obter tais cálices, roubam os pobres do seu único meio de sustento. Não sabem já o que lhes relato? O que fazes, ó Senhor? Levanta-te e vem para libertar tua igreja das mãos de demônios, das mãos de tiranos, das mãos de prelados iníquos."


Fonte: Revista Impacto - Vozes Proféticas do Passado